Pesquisadores da USP identificam molécula em veneno de escorpião Brotheas amazonicus com ação semelhante à do quimioterápico paclitaxel, usado no combate ao câncer de mama.
Um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) revelou um possível aliado no combate ao câncer de mama: o veneno do escorpião amazônico Brotheas amazonicus. Durante a Fapesp Week França, realizada entre os dias 10 e 12 de junho em Toulouse, pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP) apresentaram descobertas sobre uma molécula extraída desse veneno, com propriedades antitumorais.
Batizada de BamazScplp1, a substância demonstrou, em testes laboratoriais, eficácia semelhante à do paclitaxel, um dos quimioterápicos mais utilizados contra o câncer de mama. A molécula age promovendo a morte das células cancerígenas principalmente por necrose, um mecanismo de ação também observado em compostos de outras espécies de escorpiões.
“Trata-se de uma descoberta feita por meio de bioprospecção, que identificou uma molécula com potencial terapêutico em uma espécie de escorpião nativa da Amazônia”, explicou a coordenadora do estudo, professora Eliane Candiani Arantes, da FCFRP-USP, à Agência Fapesp.
Avanços em biofármacos derivados de venenos
O estudo faz parte de uma série de pesquisas apoiadas pela Fapesp no âmbito do Centro de Ciência Translacional e Desenvolvimento de Biofármacos (CTS), localizado no Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap), da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu. Os pesquisadores vêm se dedicando à clonagem e expressão de proteínas bioativas de origem animal, como toxinas de serpentes e escorpiões, com foco em aplicações médicas.
Entre os produtos já desenvolvidos destaca-se o selante de fibrina, uma espécie de “cola biológica” feita a partir de uma serinoproteinase de venenos de serpentes como Bothrops neuwiedi pauloensis e Crotalus durissus terrificus, combinada com crioprecipitados de sangue de animais como bovinos e ovinos.
O selante é promissor para tratamentos de lesões ósseas, colagem de nervos e regeneração após lesões medulares, estando atualmente em fase 3 de testes clínicos. Outro avanço recente foi a clonagem da enzima colineína-1, derivada do veneno da cascavel, que pode ser obtida via expressão heteróloga na levedura Pichia pastoris. A expectativa dos cientistas é que, combinada com outros fatores, como o CdtVEGF (um fator de crescimento endotelial), a colineína-1 possa resultar em um selante de fibrina com maior potencial terapêutico e produção em larga escala.
Rumo a novas terapias e à produção nacional
Além dos estudos com toxinas, os pesquisadores também identificaram duas neurotoxinas de escorpiões com potencial imunossupressor e pretendem, futuramente, produzi-las em laboratório por meio de biotecnologia. No caso da molécula BamazScplp1, o objetivo agora é também replicá-la em larga escala usando a expressão heteróloga em leveduras, o que facilitaria seu uso em estudos clínicos e, futuramente, sua transformação em medicamento.
A aplicação de biotecnologia no desenvolvimento de novos tratamentos vem ganhando força no Brasil, especialmente com o apoio de centros como o CancerThera, sediado em Campinas, que busca unir diagnóstico e terapia por meio de técnicas como teranóstica e radiofármacos personalizados.
Essas iniciativas ilustram um cenário crescente de inovação na área oncológica no país, unindo biodiversidade brasileira, ciência de ponta e biotecnologia para criar soluções terapêuticas mais eficazes e acessíveis. A toxina do escorpião amazônico, com sua surpreendente ação contra células cancerígenas, pode ser o próximo passo nessa jornada.
Referências da notícia
CNN Brasil. Toxina de escorpião é capaz de matar células de câncer de mama, diz estudo. 2025