Aos 71 anos, Olimar esbanja disposição e vitalidade. Bem humorado, acorda cedo, atravessa o cômodo da sua kitnet e, antes das oito, já vistoriou o trabalho da sua empresa de publicidade, que fica há poucos metros de onde mora. Ali, enquanto conversa com os funcionários, bebe em jejum um chá com catuaba, mel, geléia real e gengibre. Ele gosta de dizer que tanta energia matinal se deve ao uso diário dessas gororobas.
Em seguida, troca de roupa e cumpre a rotina de andar pelo comércio na expectativa de conquistar novos clientes e manter o volume de serviços da firma. Com a situação financeira complicada e sem crédito na praça, ele enfrenta problemas de caixa pra quitar suas contas. Perto das onze, volta feliz ou cabisbaixo, dependendo do volume de serviço que conseguiu atrair com suas visitas.
Na Vila Comendador Maciel rola o ti-ti-ti de que as coisas não andam nada bem naquele estabelecimento. Com dois galpões quase parados bem na entrada do bairro, um passado de bonanças deu lugar a um presente sem esperança para o patrão e seus agregados.
Familiares e amigos também confirmam essa conversa e atribuem que a má sorte nos negócios da firma se deu depois que o empresário virou a cabeça e foi pego em uma série de traições maritais.
Ninguém sabe ao certo quando e como tudo isso começou. Pela boca dos vizinhos, todos os indícios apontam para o mesmo período em que Olimar passou a frequentar uma igreja evangélica e acabou sendo tragado pelo desejo louco de possuir as fervorosas fiéis daquele templo humilde.
A coisa começou devagarinho, com o empresário patrocinando festinhas e bancando presentes caros para as mulheres da denominação. Em seguida, o padrinho generoso foi pego em passeios noturnos com as ‘amigas’ de culto. Até que tudo se confirmou quando Olimar confessou ter devorado (foi essa palavra que usaram) três mulheres da mesma família. Foi um golpe, um escândalo no templo.
A fofoca se espalhou como um rastilho de pólvora e as notícias ganharam os púlpitos e chegaram aos ouvidos do pastor. O empresário acabou tendo o nome riscado da igreja e, na mesma época, viu as contas da sua empresa desandar em dívidas. Seria um castigo para corrigir um infiel?
Depois de ser excluído da denominação, ele se isolou do mundo, arrependido, buscando refúgio nos braços da esposa e dos filhos. Anos depois, já imaculado no meio religioso, aquele desejo lá longe, quase reprimido, reapareceu e fez Olimar fraquejar.
Desta vez, a presa seria Dri, uma dona de casa assustada que o empresário conheceu durante uma ação social da igreja. A mulher estava fragilizada pela ausência do marido e não se conteve quando viu aquele homem baixinho, sorridente e bem vestido chegar em um furgão branco esbanjando simpatia e distribuindo presentes. Ficou encantada.
Dali em diante, uma troca de olhares, mãos pairando sobre os ombros, até que uma força misteriosa emergiu de dentro de Olimar e o arrastou quase que inconsciente para os braços daquela mulher. Foi o recomeço de tudo.
Os encontros rolavam sempre nos turnos em que o marido estava trabalhando fora de casa. Para essas ocasiões, Dri tinha a retaguarda protegida pela mãe, uma importante aliada para seus momentos de adultério.
A velha era parceira e ficava de butuca no portão da casa da filha, com medo de alguma visita inesperada aparecer e estragar o esquema amoroso do casal. A coisa já tinha virado rotina, até que um dia o marido traído surgiu de supetão na porta da residência, quase flagrando a esposa deitada com o amante.
Foi um susto! O sujeito apareceu como quem não quer nada e quando estava há poucos metros da cena, viu a sogra desbaratinada gritando e simulando um desmaio digno de novela mexicana. Foi o único sinal que a velha conseguiu emitir naquele momento de pânico, evitando uma tragédia.
Do outro lado da parede, Olimar, suado e pálido, emergiu da cena do crime e, tomado pelo susto, vestiu-se apressadamente, saindo porta afora, sem deixar qualquer vestígio na cama e no ar.
Pego de supetão com a presença de Olimar no seu quarto, o marido traído ficou sem entender nada. Irrequieto, passou a periciar o local atrás das provas do adultério, mas sem evidências, acabou convencido pelo testemunho da sogra de que a ‘visita íntima’ estava ali para usar o banheiro da suíte do casal. Ufa!
Para evitar maiores aborrecimentos, o empresário fez um gesto generoso: sacou a carteira e colocou 10 notas de cem reais nas mãos do “sócio”, justificando a iniciativa como um mimo para ajudar nas obras daquela casa. A reforma da varanda estava custando os olhos da cara, motivo pelo qual o marido traído agradeceu a generosidade do benfeitor.
Dentro das dimensões humanas, Olimar sabia que mais dia menos dia seria apanhado em flagrante. Era certo, mas graças ao álibi da velha, conseguiu se safar, sem maiores complicações.
O único dano desse episódio, foi a ameaça inesperada da mãe de Dri. A idosa cansou de ouvir a filha enaltecendo os predicados de Olimar e agora resolveu cobrar a fatura pelos meses de cumplicidade no portão: na decadência da terceira idade e com medo de bater as botas, ela também queria ter um momento a dois com Olimar. O ser humano é complicado.
Seria o último sonho, o último suspiro de felicidade. Ou ele cedia a essa patética circunstância ou a velha fogosa daria com a língua nos dentes, entregando o caso extraconjugal da filha para o marido.
A chantagem funcionou. Na semana seguinte, Olimar mostrava-se exausto. Foram dois dias divididos entre dois quartos, em uma mesma casa, com duas mulheres da mesma família, cúmplices em um ato de amor e desejo. Estirado na cama, aquele homem ruminando a fadiga não pertencia a elas, mas à languidez do cansaço, com o olhar orbitando o nada e coisa nenhuma.
Era assim que Olimar gostava de levar a vida: vivendo perigosamente o amor livre e celebrando cada momento entre os lençóis como se fosse único, num misto de transgressão e prazer. O perigo o fazia sentir vivo.
Na região sul da cidade, Olimar também era conhecido como ‘Tiozinho da Kombi’, um empresário bacana que vestia bem o rótulo de evangélico caridoso. Naquele pedaço de chão batido e empobrecido, o homem ficou famoso não só pela generosidade, mas pela péssima reputação que conquistou depois que seus casos foram descobertos.
Para a maioria dos moradores, Olimar deixou o bairro malfalado por conta das suas aventuras amorosas. Por causa disso, era comum donas de casas desacompanhadas evitarem circular perto da firma, com medo das investidas do empresário que costumava despi-las com os olhos.
Cansado da imagem negativa de assediador contumaz e o estigma de infiel, Olimar resolveu mudar de vida. Ao invés do empresário sedutor renascia o convertido, um crente fervoroso. A mudança repentina de comportamento causou estranheza nos amigos e o fim do caso com Dri, que passou a ignorá-lo como sinal de desprezo, sepultou uma fase que devia cair nos umbrais do esquecimento. Tudo muito esquisito.
Não se sabe ainda a verdade, mas os boatos sobre a nova conduta de Olimar estão relacionados a um susto que o empresário passou durante o expediente do serviço, quando foi surpreendido por uma forte dor no peito.
Exames pra cá, exames pra lá e Olimar acabou passando por uma cirurgia delicada. Foi uma comoção, filhos, amigos, parentes, ex-mulheres, todo mundo consternado pela situação do velho conquistador barato.
Refeito do susto, ele fez novos planos para vida: atividade física, dieta e momentos especiais em família. O homem estava mudado e, pelo resto do ano, permaneceu curtindo aquela vidinha doméstica e monótona da casa para o serviço e do serviço para a casa.
Mas como velhos hábitos são difíceis de deixar para trás, Olimar, repentinamente, resolveu esquecer o celibato extraconjugal e foi procurar diversão fora de casa. Antes disso, avisou a família que tinha tentado de tudo para permanecer fiel, mas a monogamia não era pra ele. O boato era de que ele estava gagá.
A partir daquele momento, Olimar surgia solteiro e faceiro na balada e sentia o gosto do mundo. Primeiro, em churrascos com os amigos. Depois, prestigiando festinhas e os bailes da terceira idade organizados pela irmã, uma promotora de eventos conhecida entre os aposentados pelo apelido de Téty.
Desde que passou a morar sozinho, Olimar é figura presente no Facebook, onde passa boa parte das noites em conexão com um grupo de mulheres.
Enquanto a cidade dorme, ele permanece curtindo e comentando as fotos das internautas.
E foi numa dessas madrugadas que o empresário foi surpreendido pela resposta de uma das suas amigas virtuais. A moça estava feliz com os elogios de Olimar depois que passou a divulgar suas imagens em trajes íntimos na piscina.
Surpreso, o empresário não perdeu a oportunidade e foi amarrando a conversa até que o flerte terminou em um motel luxuoso da cidade. Ali, Olimar apelou quimicamente para estimulantes e reviveu momentos da sua meninice, do tempo em que se entregou pela primeira vez aos desejos da carne.
Antes das primeiras carícias, um cálice de licor de menta, alguns bombons de cereja sobre a cama selaram o início daquela noite de amor e fúria ao som de Manolo Otero. Os momentos seguintes foram marcados por gemidos, gritos e um homem completamente entregue à paixão ouvindo o clássico ‘Champagne quel brindar el encuentro (…)’.
Nunca ficou claro se Olimar apagou o facho. A vizinhança, que gosta de bisbilhotar a vida daquele homem, jura que não, e o empresário segue vivendo um tórrido romance com a moça jovem do Facebook. Dizem os fofoqueiros que a mulher é figura presente no cafofo do empresário, onde ambos comem lanchinhos enquanto assistem a filmes e séries na TV.
Aos amigos e funcionários, ele assume o cansaço, mas nega que esteja fora de forma. E revela sorrindo que, enquanto houver mulher disposta e carente, ele estará pronto a correr riscos por uma aventura.
Ah! O amor, o amor…
Alexsandro Nogueira é jornalista e músico. Mora em Campo Grande, Mato Grosso do Sul