O impacto do abandono parental na vida de crianças em situação de risco

Por Adriana Ramalho

No silêncio de muitos lares e nas sombras das grandes cidades, histórias de abandono parental se repetem como feridas abertas na infância de milhares de crianças brasileiras. Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garanta o direito à convivência familiar, a realidade mostra que o afastamento afetivo e físico de pais e mães ainda é um dos fatores mais devastadores na formação emocional de crianças em situação de risco.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 30 mil crianças e adolescentes vivem hoje em instituições de acolhimento no Brasil. A maioria delas não está órfã de pais vivos, mas sim, de vínculos. São histórias marcadas pela negligência, violência doméstica, abuso e, principalmente, pela ausência afetiva.

Cicatrizes invisiveis

O abandono parental não é apenas uma ausência física. “É a sensação de não pertencimento, de não ser desejado, que gera impactos profundos na autoestima e no desenvolvimento psíquico da criança”, explica a psicóloga infantil Amanda Oliveira, especialista em traumas de infância.

Crianças que vivenciam o abandono podem desenvolver quadros de ansiedade, depressão, distúrbios de comportamento e dificuldades de aprendizagem. Em muitos casos, tornam-se também mais vulneráveis a situações de abuso, exploração e envolvimento com o crime.

Rede de proteção fragilizada

Embora existam políticas públicas voltadas à proteção da infância, como os Conselhos Tutelares e os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), especialistas apontam falhas na articulação entre os serviços e a sobrecarga dos profissionais. “Muitas vezes, a criança só entra no radar do Estado quando algo grave já aconteceu. Falta prevenção, investimento em políticas de fortalecimento familiar e suporte psicológico para as famílias”, destaca o assistente social Paulo Andrade, que atua há mais de 15 anos em comunidades de alta vulnerabilidade em São Paulo.

O papel da sociedade

Organizações da sociedade civil vêm cumprindo um papel fundamental no apoio a essas crianças. Projetos como oficinas culturais, atividades esportivas, acompanhamento psicológico e reforço escolar funcionam como portos seguros para crianças que, muitas vezes, têm em seus educadores o único vínculo estável.

A advogada e defensora dos direitos da infância, Luiza Ramos, reforça a importância de uma ação coletiva: “Combater o abandono parental é também combater a pobreza, o machismo estrutural, a dependência química e a falta de perspectiva que muitas famílias enfrentam. Precisamos de uma mobilização social que vá além do assistencialismo”.

Caminhos para a reconstrução

Recuperar os laços afetivos nem sempre é possível. Mas oferecer novos vínculos seguros é fundamental para que essas crianças consigam construir suas próprias histórias com dignidade e amor. A adoção, quando feita com responsabilidade e preparo, é uma das alternativas mais potentes. No entanto, o processo ainda é moroso e burocrático, afastando potenciais adotantes.

A longo prazo, o caminho para enfrentar os impactos do abandono passa por educação emocional nas escolas, políticas públicas integradas, suporte às famílias e campanhas que quebram o tabu sobre o tema.

Enquanto isso, cada criança acolhida, cada vínculo reconstruído, é uma vitória silenciosa contra um problema que, apesar de invisível aos olhos de muitos, grita todos os dias na vida de quem foi deixado para trás.

Adriana Ramalho

Formada em Direito, política (vereadora em SP 2016/2020), ativista social e palestrante sobre combate a violência doméstica, alienação parental, empreendedorismo feminino, e saúde mental.

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