As investigações da Polícia Federal devem apontar a participação parcial de militares nos ataques aos três Poderes no dia 8 de janeiro.
O resultado dos inquéritos vai se contrapor ao desfecho da apuração feita pelo próprio Exército sobre a atuação dos militares que deveriam ter protegido o Palácio do Planalto.
Como revelou a Folha, o inquérito policial militar livrou as tropas de culpa e apontou “indícios de responsabilidade” da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
Já as apurações da PF até aqui, de acordo com investigadores, mostram atuação de integrantes das Forças Armadas não só nos acontecimentos do dia 8 em si, mas também na omissão em relação ao acampamento montado em frente ao quartel-general do Exército após as eleições.
A Polícia Federal colheu o depoimento de mais de 80 militares das Forças Armadas —incluindo ao menos quatro generais.
Integrantes da PF ouvidos pela Folha dizem que a investigação leva em conta o contexto de 2022, como a manutenção dos acampamentos de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em frente a quartéis e ao QG do Exército, em Brasília.
Apontam também as descobertas feitas pela PF nos materiais apreendidos no celular do coronel Mauro Cid, principal ajudante de ordens de Bolsonaro.
As mensagens encontradas no aparelho mostram diálogos em que interlocutores, oficiais do Exército e reservistas debatiam o uso das Forças Armadas contra o resultado das eleições vencidas por Lula (PT).
Ainda havia no celular de Cid a tese de Ives Gandra Martins, advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie, segundo a qual o artigo 142 da Constituição permitiria uma intervenção das Forças Armadas em caso de conflito entre os três Poderes.
As conversas ocorreram em um grupo de WhatsApp intitulado “Dosssss!!!”, que era composto por oficiais superiores da ativa.
Dos 12 militares presentes no grupo, 6 eram coronéis e tenentes-coronéis formados pela Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) entre 1993 e 2000 e que ocupavam, ao menos até junho, cargos de comando e assessoria parlamentar do Exército.
As mensagens, que foram incluídas num relatório preliminar da PF, são de 27 de novembro de 2022 a 4 de janeiro de 2023.
Policiais também citam como elementos para corroborar a participação dos militares cenas de omissão e conivências dos fardados durante os ataques do dia 8.
Na última semana, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, demonstrou contrariedade com a conclusão do inquérito policial militar.
Em evento sobre os dez anos da Lei Anticorrupção, Andrei lembrou dos acampamentos golpistas e disse que a PF quis removê-los ao menos duas vezes antes do ataque aos Poderes, mas que o Exército não permitiu.
Para ele, o ato golpista “deveria ter sido evitado em dezembro”. “Quando nós fomos de novo no dia 8 de janeiro lá, tinha tanque de guerra no meio da rua impedindo que a polícia entrasse para retirar aquelas pessoas do acampamento. Então, isso é uma sequência.”
Apesar da contrariedade do diretor-geral da PF com o resultado do inquérito feito pelos militares, integrantes do governo avaliam que o ex-ministro do GSI Gonçalves Dias, que é general, errou ao manter boa parte da equipe deixada por seu antecessor, o bolsonarista Augusto Heleno.
O Exército só desmontou o acampamento em Brasília no dia seguinte às invasões às sedes dos três Poderes. Lula deu aval para que a operação ocorresse naquela data depois que integrantes do Exército argumentaram que poderia haver uma “tragédia” caso ele fosse dispersado no dia 8.
Os achados da PF sobre os ataques tramitam no âmbito de investigações sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que fixou em fevereiro a competência do STF (Supremo Tribunal Federal) para processar e julgar crimes relacionados ao ataque, independentemente de os investigados serem civis ou militares.
O atentado às sedes dos três Poderes também é alvo de investigação em uma CPI no Congresso Nacional e outra na Câmara Legislativa do Distrito Federal.
Deputados federais e senadores ouvidos pela reportagem, inclusive da base aliada, afirmam que, assim como as Forças Armadas, o governo federal tem pedido cautela na convocação de militares da ativa e generais —até mesmo da reserva.
Até agora, a CPI do 8 de janeiro no Congresso só tomou o depoimento de dois militares das Forças, o coronel do Exército Jean Lawand Júnior e o próprio Cid, tenente-coronel.
Existe a leitura de parte do governo, capitaneada sobretudo pelo ministro José Múcio (Defesa), de que não se pode tensionar a relação com os fardados. Por isso, o ideal é deixar a PF e o STF avançarem nas investigações sobre eles.
No caso de Cid, no entanto, a estratégia em curso tem sido deixá-lo sob tensão para forçá-lo a fazer uma delação premiada. Integrantes da comissão têm recebido informações de que o pai de Cid, general Mauro Cid, está apreensivo com a situação do filho, preso desde maio.
Para isso, a CPI tem avançado em quebras de sigilos e buscado o depoimento de pessoas próximas a ele. Nesta quinta (3), a comissão convocou, por exemplo, o também ex-ajudante de ordens Luís Marcos dos Reis, preso junto com Cid na operação sobre suposta fraude no cartão de vacinação de Bolsonaro.
A avaliação política é que GDias —um dos principais alvos de aliados do ex-presidente— já foi para o sacrifício, e que a CPI ainda pode buscar elementos para enquadrar militares ligados ao governo anterior que contribuíram para o 8 de janeiro.