É fato que milhares de mulheres ao redor do mundo sonham em engravidar e formar sua própria família. No entanto, muitas acabam enfrentando diversos problemas ao tentar conceber a criança, fazendo com que busquem uma ajuda profissional ou outras alternativas, como por exemplo a inseminação artificial.
Altamente recomendada por médicos e autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o procedimento, entretanto, não é financeiramente acessível à maioria das famílias.
No Brasil, apenas uma sessão do procedimento varia em torno de 2 a 5 mil reais, podendo variar conforme a necessidade do paciente.
Desta maneira, os brasileiros começaram a optar por outras alternativas movidos pelo sonho de formar uma família. Nos dias de hoje, é crescente a busca de mulheres pela inseminação caseira, que consiste na reprodução sem a ajuda de médicos ou da consumação do ato sexual.
Mesmo não sendo recomendada por médicos, uma vez que a opção traz riscos à saúde, o procedimento vem se tornando cada vez mais popular no país.
Devido a isso, o assunto já chegou à Justiça, onde em diversos tribunais no Brasil divulgaram decisões sobre o registro de bebês nascidos por meio da inseminação feita em casa, sem relação sexual. A advogada Mariana Serrano, sócia na Crivelli Advogados, pontuou as principais dúvidas e riscos jurídicos da inseminação caseira.
De acordo com a profissional, o principal problema jurídico do procedimento é que não há legislação ou regulamentação sobre o tipo de prática. “Os cartórios não têm autorização para fazer o registro sem um processo judicial que reconheça a dupla maternidade. Isso mostra um critério que é diferente do aplicado para a inseminação assistida por médicos ou clínicas. Havendo acompanhamento médico (que costuma ser extremamente custoso), o CNJ permite o registro da dupla maternidade diretamente em cartório, bastando a apresentação de um relatório médico no momento do registro”, afirma Mariana.
A crescente procura pela inseminação caseira no Brasil e seus riscos jurídico – Foto: Divulgação
A advogada ainda comenta que ao realizar o procedimento é necessário possuir um amparo jurídico. “O fato de o Direito não reconhecer a figura da inseminação caseira não significa que ela não exista. É uma prática extremamente comum, sobretudo considerando que a maioria da população não dispõe de dezenas de milhares de reais para arcar com o custo da inseminação assistida. Mulheres que se relacionam com mulheres têm direito a constituir família, independentemente da renda”, afirma.
Mariana pontua que mesmo não havendo autorização para a realização da inseminação caseira, a prática não é proibida. “A falta de regulamentação cria um limbo e é nessa terra de ninguém que os problemas podem aparecer.
Seria de extrema importância que os doadores tivessem uma frequência obrigatória de realização de exames de ISTs, por exemplo. Há países, inclusive, em que há um limite de filhos que podem ser gerados por um mesmo doador.
Ao mesmo tempo, existe um movimento de criminalização dos doadores que o fazem apenas por quererem ajudar mulheres que desejam engravidar e não tenham como custear o procedimento assistido (sejam elas casadas, comprometidas ou não). Alguns doadores, que já auxiliaram famílias que eu conheço e que são muito gratas a eles, são investigados pela polícia como se fizessem algo criminoso”, explica.
“É constrangedor para uma mulher ter de passar por um processo judicial, apenas por não ter tido condições financeiras de pagar um procedimento. Ver que os cartórios aceitam que um relatório médico supra um processo judicial; ou, mais ainda, ver que se um homem acompanha uma mulher no parto ninguém pede exame nenhum a ele para confirmar que ele é pai, bastando comparecer ao cartório para registrar, escancara às muitas mulheres que gestaram por inseminação caseira as desigualdades sociais que são fruto de uma cultura que não está pronta para acolher a população LGBTQIA+”, indaga Mariana.
Com a crescente procura pelo registro de bebês concebidos por inseminação caseira, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), pediu ao Conselho Nacional de Justiça a revogação da exigência de documento da clínica de reprodução assistida para registrar a criança em cartório, com o intuito de que as famílias não precisem recorrer à Justiça.
“ Em 2022, no Brasil, 500 crianças por dia foram registradas apenas com a filiação da pessoa que as gestou. É chocante pensar que a preocupação do Estado seja direcionada a burocratizar o acesso à dupla maternidade, quando tantas crianças sequer possuem essa chance”, finalizou a advogada.